Esplendor é uma pesquisa e um projeto ficcional, literário e performativo de minha autoria, onde os primeiros textos vieram de uma incursão por sonhos, registros em diários, notas e inspirações escritos metódica e ininterruptamente. Eles ganharam força e sustância na incursão pelos tempos e ritmos do meu próprio corpo, na preparação para uma gravidez, nas vivências durante a gestação e, posteriormente, no percurso da minha maternidade. A materialidade de um livro começou a ser pensada, a partir desse acervo de escritas encorpado por meio de cursos de escrita criativa e nas interlocuções literárias com outros atores deste meio. Em Esplendor, elaboro e assumo o meu corpo criador como um corpo erótico-materno. Nesta obra, emerge a minha voz – uma mulher geradora de arte e vida. Percepções e relações com a maternidade, a sexualidade, a arte e o cotidiano são, assim, permeados por uma construção textual notadamente imagética e entrelaçada a elementos fantásticos, em contínuos fluxos de consciência. Os textos deflagram a tensão e fricção das relações do meu corpo com a minha própria criação artística.
Esplendor narra a fabulação de um corpo erótico, materno e criador. Ele é o meu primeiro livro autoral e foi lançado em outubro de 2025. Fruto de vivências gestacionais, maternas, eróticas e cotidianas que se transmutam em arte. Trata-se de um mergulho literário e poético em uma escrita performativa, portanto, que parte do corpo, atravessa experiências íntimas e coletivas e deságua em uma criação potente, sensível e política. Combina prosa, poesia e fluxos de consciência, ao revelar a construção de uma subjetividade feminina em constante recomposição.
O projeto do livro partiu de registros pessoais — sonhos, diários, notas — que ganharam força na medida da transformação do meu corpo e da percepção de sua relação com o mundo.
Temos, em Esplendor, uma mulher em situaçao com a vida, onde tudo está na imanência de acontecer. Maternidade, sexualidade, desejos, medos e audácias são tratados como elementos pulsantes, onde o simples ato de pintar as unhas ou subir escadas tornam-se catalisadores de uma combustão criadora – uma viagem interna de elaborações e devaneios sobre a realidade, os sentimentos, as memórias, as saudades e o por vir. Em um estilo marcado por imagens e atravessamentos simbólicos, o livro constrói pontes entre o íntimo e o universal, o biográfico e o ficcional, o profano e o sagrado.
Há a afirmação, portanto de um corpo erótico-materno que cria, narra, transforma e habita as fronteiras entre literatura, vida e cena — um convite à escuta de uma voz feminina que cria mundos a partir do próprio corpo. O erótico, aqui, visto como força vital, energia criativa e satisfação da plenitude. Em diálogo com minha pesquisa de mestrado em Processos Composicionais para a Cena, na Universidade de Brasília, estruturo não só um livro, mas um gesto artístico e político, onde texto e performance coexistem.
A obra Esplendor também é esteio de outras formas de percepção e recepção, como tem sido a sua fruição durante o meu projeto de mestrado, na linha de Processos Composicionais para a Cena, no Departamento de Artes Cênicas, Universidade de Brasília. Esta proposta de pesquisa se propõe a tatear a pergunta “O que cria um corpo que cria?” (O que cria artisticamente um corpo que cria uma vida?) e, mais ainda, “Que corpo criador é esse?”. Pretendo relacionar corpo e criação, e cartografar, por tanto, o processo de criação de um corpo definido como erótico-materno, a partir dos textos que compõe a obra literária Esplendor.
Várias chaves de discussão e fundamentação para pesquisa são abertas, tais como: autobiografia, autoficção, autoescritura, escrita perfomativa, performance, processo de criação, corpo, feminino, abjeção, maternidade, sexualidade, erotismo. Assim, ao narrar e pesquisar um corpo em situação com a vida e a criação, trago a possibilidade de descrever a relação de um corpo erótico e materno com a criação artística. Esplendor promove a coexistência entre narrativas, a possibilidade do pluralismo, hibridismo e intersecção entre linguagens e expressões.
A temática de Esplendor é estética e também política, pois constrói uma subjetividade contrária ao que institui a modernidade normativa que, dentre vários aspectos, teima em dar vez e voz ao discurso masculino, heteronormativo e branco. Sendo assim, também é discutido, nesta pesquisa, a experiência de um corpo feminino, cindido e cerceado, justamente, pela modernidade, pelo patriarcado e que durante a cadência dos textos vai criando trajetos de recomposição de um corpo íntegro, inteiro, ser de sensação, cuja vivências emergem de uma pulsão vital e criadora. Isso é ser um corpo erótico. Ao afirmar e resgatar as subjetividades do erótico e do materno, é desfeita essa cisão e recuperadas as forças para encontrar o lugar da criação.
A cartografia desse processo de criação, as referências teóricas levantadas, a descrição das práticas e programas performativos, os diálogos propostos sejam descobertas, maturadas e compartilhadas no decorrer da trajetória de pesquisa. A ideia é que o espaço “Blog”, neste site, seja abastecido com todas essas atualizações.
Como se aproximar da beleza? Com a ponta dos dedos, tateando, mas também mergulhando com ímpeto, corajosamente. Neste seu Esplendor, Maria Carolina Machado faz os dois movimentos, para trazer a nós as vivências e o percurso de alguém que precisa se perguntar: “Onde eu estou? Quais são os meus limites e contornos?” A vida tem cheiros, cores, tatos – nossos corpos se aproximam de sua beleza pulsante, intensa, por vezes dolorosa de tão desafiadora. É belo o descontrole da maternidade, uma das experiências que percorre este livro; diante de seus desafios, a escrita é um modo de chegar ao essencial, ao coração do que significa o encontro com uma alteridade que nos transformará definitivamente. Tudo isso acontece numa língua que é do cotidiano, clara e concisa, mas ao mesmo tempo trabalha com a dicção lacunar da memória. Mais ainda, com a ferocidade poética de uma mulher que escreve com o corpo – seu sangue, seu desejo, seu gozo: “Dois flashes rasgados no baixo ventre. Imaginei que assim viriam as contrações antes de um bebê nascer. Pisei numa poça de lama. Pensei que fosse rasa, mas à medida que enfiava o pé, ele afundava vagarosamente. Orgasmos. Respingos ficaram enrolados nos lençóis e no decalque do vinco do travesseiro em meu rosto”. Uma escrita assim é necessariamente performativa. Ela vai criando enquanto se faz, ela faz surgir paisagens, sensações, objetos. Estamos diante da emoção do começo, que estas páginas transmitem com a força de quem já esteve em cena, partilhando um encontro único. “Vem, vem” – este livro é um convite. Aceitemos.
Eu não sou um estruturalista. Não estudei para isso. Mas compartilho da vontade daqueles que tentam captar as estruturas que escoram as existências. Não sou um formalista, não estudei para dizer que seja, mas algo no meu cérebro caleidoscópico faz com que eu perceba certas geometrias inconfessas, não tão fáceis de serem vistas a olho nu. Sou, talvez, um neoinstitucionalista, para isso estudei. Mas essa alcunha não me vale de nada nesta formulação.
Terminei de ler ontem, no voo, novamente, seu Esplendor. O título já é lindo. Tentei lê-lo com as armas da crítica, algumas das que cito acima, mas trata-se de um livro que cavalga na direção oposta da razão. Esplendor pede para ser mordido, lambido, esfregado contra o corpo, como obra de uma mulher que deseja através de uma profusão de adjetivos bem usados. É um livro muito bem escrito, artesanal, como a literatura deve ser.
Carol, eu amei! Forte, poético, uma costura perfeita de várias vidas e tempos entrelaçados que fazem tanto, mas tanto sentido na construção da história, do percurso da mulher-terra-cidade-mãe-sangue-corpo que é o fio central. Senti, na leitura, uma construção lógica atravessada por respiros atemporais. Perfeito!
é um livro impressionante em muitos sentidos, Maria. Ao mesmo tempo que tem variações de estilo e voz, sente-se que é uma mesma presença que nos acompanha. Como eu te disse, não é um livro estático, não é sequer um monólogo: mesmo com toda a espessura reflexiva, é um livro de ação, de deslocamento e viagem. Gosto da lente de aproximação e da câmera lenta em alguns trechos, gosto dos saltos e dos mergulhos em outros. Ao final, tem-se a impressão de uma travessia mais longa, de um contorno amplo, esquivo, de uma derrapagem lenta, arrepiante. O corpo está no centro da página, e em certos momentos sinto que é o corpo que escreve, literalmente falando, os dedos com todos os cheiros, texturas, seivas do corpo (do seu). A sua riqueza interior, reflexiva, a sua forma de flanar na borda dos abismos e, sobretudo, esse seu olhar demorado e atento sobre todas as coisas, essa escuta do dentro e do fora, esse espanto lúcido, essa fome, tudo isso me impressionou. Acho que o livro será celebrado, e acho que ele precisa do palco.